quinta-feira, maio 16, 2013

A HISTÓRIA DO CAFÉ [PARTE 2]


                   (Imagem retirada da net)
Continuando com a «História do café». Vamos continuar com a parte 2.
O CAFÉ!
A planta do café pertence à família das rubiáceas e ao género Coffea. Subdivide-se em numerosas espécies, muitas das quais resultam das variações provocadas pelo homem nas diferentes condições ambientais em que as tem vindo a cultivar.

Trata-se de um arbusto pequeno, de folhas verdes, escuras e brilhantes, pequenas flores brancas e frutos que começam por ser verdes e que quando amadurecem e ficam prontos para a colheita, se tornam vermelhos. É essa a fonte da bebida que hoje se degusta sem problemas em qualquer parte do mundo. Neste livro, aproveitamos as excelentes propriedades do café para criar um vasto e interessante leque de receitas, onde os mais diversos ingredientes serão valorizados através da conjugação com esse verdadeiro elixir. Essas preparações são o prémio para o resultado de um cultivo esmerado a semente-mãe é escolhida e posta a germinar e, a seu tempo, o rebento dela resultante é plantada no terra onde irá crescer e onde, depois de muitos dias e noites de cuidados, dará os seus frutos.

Esses frutos, vermelhos, brilhantes e vistosos são os protagonistas da nossa história. Uma história real, de muitos trabalhadores apaixonados por uma terra, uma cultura e um arbusto que várias vezes ao ano lhes oferece, como símbolo de fraternidade, o pequeno fruto vermelho do café.

Foi o denominador comum que encontrei entre os protagonistas do mundo do café que me cativou e me fez escolher o título para este livro: Paixão pelo Café. Todos os que se envolvem na sua produção acabam por se apaixonar pelo trabalho que desenvolvem, pelas terras que cultivam e pelo café que produzem: desde o que planta o rebento nos dias apropriados, soalheiros e por vezes quentes, ao que colhe os grãos, com cuidado de só retirar dos arbustos os que já estão maduros, passando pelo que selecciona os grãos um a um, para lhes retirar a casca depois de os ter secado com todo o cuidado, lenta e suavemente, a fim de evitar que sequem de mais ou se queimem; e, no fim da cadeia, aqueles que o comercializam e o dão a provar.

O grão vermelho do café encontra-se coberto por uma película adocicada que, depois da colheita, se deve retirar sem demora. Fica então à vista a polpa, branca e gelatinosa, que também se deve extrair no primeiro processo (na Colômbia geralmente chamado «o benefício»). Depois, divide-se o grão ao meio e põe-se a secar ao sol ou em máquinas que imitam o seu calor. Seca-se assim, com carinho, o pequeno grão que representa o sustento diário de milhares de pessoas. Hoje em dia, tenta-se praticar uma cultura do café amigo do ambiente, pelo que os desperdícios obtidos ao longo do processo são utilizados para adubar as plantas em crescimento. Quando secas, as metades dos grãos de café são ensacadas e levadas para um local onde são calibradas. É também aí que se entregam todos os documentos de procedência que permitem traçar a sua história (aquilo a que se chama a trazabilidad). Em seguida, o café é levado para o laboratório onde se avalia, através de seis amostras, se todas as sementes têm a mesma qualidade e qual a percentagem de perdas devidas ao pergaminho. Depois, fazem-se «provas de chávenas», para se determinar o preço a oferecer ao cafeicultor. «É na chávena que se vê o cuidado do cafeicultor, a sua meticulosidade. É  essa prova que nos permite saber se o café ocupa o primeiro lugar na vida de quem o produziu. Através da chávena podemos descrever as pessoas»* afirma Juan Carlos Alarcón, da Cooperativa de Cafeicultores de Chinchiná, Caldas (Colômbia). « A prova de chávena permite-nos saber se houve erros a nível da colheita, da extracção da polpa, da passagem pelos tanques, da secagem, da torrefacção, etc», acrescenta Juan Alarcón. Sandra Quiñones, jurada internacional em «provas de chávenas» diz: «Para um café ser considerado excelente, as suas qualidades não devem variar à medida que arrefece; a fragrância e o aroma sentem-se desde a moagem e reafirmam-se na boca...»

* Entrevista realizada pela autora.

A casca que se extrai dos grãos depois de secos, ou pergaminho, é usado como fonte de energia para os queimadores das plantas.

Aqui termina, em parte, o processo de produção de café característico de muitos países da América Latina. Assim se obtém o grão de Café Pergaminho, como é chamado na Colômbia, ou do Café Ouro, como é conhecido no Panamá. Depois, é levado para terras onde possivelmente nunca se viu um cafezal; para sítios longínquos, desconhecidos para a maioria das pessoas que deram vida à planta, que acompanharam o seu crescimento e nos entregaram o produto, carregado de história e amor, para que possamos usufruir do melhor que a terra nos dá.

Nas próximas páginas partilharei com o leitor pequenas histórias que recolhi junto de pessoas que dedicam o seu dia-a-dia a trabalhar para que possamos ter, todas as manhãs, uma chávena de café quente nas mãos.

Um começo humilde para uma grande travessia...

António, reformou-se há alguns anos, mas mantém a sua robustez, os ombros bem direitos e, sobretudo, a sua paixão pela terra e pelo café: « Sou de Aguadas, nas Caldas. Foi um tio meu que me trouxe para aqui. Tinha 18 anos e era analfabeto. Só aos 22 anos aprendi a escrever o meu nome, com uma professora que me dava aulas à noite.» Hoje em dia, este homem é o administrador de uma magnífica plantação de café da Colômbia. Começou por colher o café de canastra à cintura, e carregar e descarregar mulas. O tio, que o tinha a seu cargo, acabou por partir, deixando-o sozinho na propriedade, com os novos donos. Estes viam-no pouco, mas sabiam que ele trabalhava sem descanso e aprendia com facilidade. Casou-se e teve três filhos, que desde cedo se envolveram no trabalho do pai. Ainda antes de atingirem os dez anos de idade. António, que entretanto passara a chefiar a plantação, ensinou-os a conduzir o tractor que costumava usar e deu-lhes a conhecer tudo o que sabia sobre café. «Quando tinham oito ou nove anos, já os levava comigo: carregava um tractor com lenha e saía. Às vezes, encontrava o patrão, que me perguntava se eles tinham autorização. Aparecia quando eu menos esperava: não sei como, mas nessas alturas aparecia sempre. Para mim era um susto, porque sempre que me encontrava, zangava-se comigo. Mas, graças a Deus, nunca tivemos nenhum acidente.» Gosta daquela terra, do campo, das Caldas. Estuda-a cuidadosamente e planifica as sementeiras e os cortes em função dos movimentos da Lua. Cultiva com base nos conhecimentos que foi adquirindo sobre a natureza, e diz ser essa a razão de os seus cafezais não terem grandes formigueiros nem serem afectados por pragas. As suas terras têm todo o tipo de plantas: bananeiras, laranjeiras, tangerineiras, limoeiros e goiabeiras do Peru, mas também feijoeiros e tubérculos como a batata e a mandioca. Planta-as por gosto, mas também por saber que constituem um bom complemento na alimentação dos trabalhadores, que assim dispõem de frutos para prepararem sumos refrescantes com que recuperam do árduo dia de trabalho, e vários outros produtos que lhe permitem equilibrar a sua dieta. Os trabalhadores que estão encarregados de observar o aparecimento de pragas e doenças nos pés de café vivem no meio das plantações, em casas brancas com portas vermelhas, cheias de flores, e com cozinhas impecáveis. Os que se ocupam da colheita trabalham de segunda a sexta-feira e durante o fim-de-semana vão até à cidade para estarem com as famílias ou, simplesmente, para descansarem e se divertirem.

António contou-me tudo isto ao longo de um passeio pela propriedade. Ao chegarmos perto da escola, falou-me da vida dos filhos: «Quando chegou a altura de mandar o mais velho para a tropa, a minha mulher fartou-se de chorar, mas eu, por dentro, estava e feliz e pensava: "que mo levem rapaz e mo devolvam homem e lhe ensinem a não ser cobarde".» Falou com felicidade dos seus dois filhos mais velhos, mas quando chegou ao último, baixou a voz para me contar que um acidente de mota lhe tinha roubado a vida «há apenas alguns meses». Eu estava com a minha filha Isabella, que foi ajudar-me a tirar fotografias, e senti uma dor no fundo do coração. Como que por milagre, o telemóvel do senhor António tocou naquele preciso momento. Julgo que foi a primeira vez que aquele pequeno aparelho intrometido tocou no momento certo, resgatando a alegria que de repente se perdera. Estavam a ligar-lhe para lhe pedirem qualquer coisa. Conta-me então que, antes quase não tinha solicitações, pois não conseguiam encontrá-lo no meio de todos aqueles arbustos, mas agora vêem-no passar de carro, ao longe, e telefonam-lhe logo, para lhe pedirem boleia ou outro qualquer favor. Nota-se que adora ser prestável. Com um enorme sorriso, responde ao interlocutor que está do outro lado do telefone que não tardará a passar por lá. Trata-se de um homem que vem com o seu filho de três anos. Continuamos o passeio juntos, enquanto conversamos e tiramos fotografias aos cafezais. Ao cair da noite, António chega à conclusão de que, com os seus sessenta e tantos anos, continua de boa saúde, porque vive naquelas terras de café: «Venho para aqui às cinco e meia da manhã. Saio de casa e ponho-me a andar. Os dias e as semanas passam a correr, nem os sinto. Não tenho sequer vontade de ir para casa. Para mim, esta terra é tudo o que existe.»
 Continua...